Relatos de uma viagem a Cusco
Relatos de uma viagem a Cusco
Victor Süssekind e Victória Bernardi – 20/12/2022 a 14/01/2023
Escrito por Victor Süssekind
Lá estávamos em dezembro de 2022 embarcando naquele memorável voo cruzando a Cordilheira dos Andes, com seus picos montanhosos de rocha e neve sobressaindo no horizonte. E assim, quando o piloto anuncia o pouso e o avião começa a baixar altitude, nos víamos atravessando as nuvens, cercados pelos grandes Apus e éramos tomados por uma sensação de viagem no tempo, levados às terras lendárias dos templos e monumentos fascinantes, de onde outrora viveram uma das civilizações mais enigmáticas da Terra.
Foram 25 intensos e fascinantes dias nas alturas dos Andes! Acordávamos todos os dias antes do nascer do sol, preparávamos o nosso chá de coca e, quando a luz da manhã iluminava os horizontes montanhosos, saíamos sem perca de tempo para nos encontrar com os templos de pedra e respirar o ar dos antigos.
Após permanecer longos períodos nos sítios arqueológicos, caminhando de 6 a 11 km por dia, retornávamos para a nossa hospedagem ao final da tarde, quando surgiam as nuvens escuras e grandes como as montanhas, trazendo as chuvas geladas de verão, com trovões que pareciam querer se vingar dos tempos da terrível invasão espanhola dos séculos passados. E quanto mais nos envolvíamos com aqueles lugares, mais nos sentíamos vivendo em um filme de aventuras e mistérios, como se estivéssemos acabado de sair dos livros de expedições e crônicas antigas.
Nossa intenção é a de contemplar o máximo possível de todos os detalhes da fantástica arquitetura dos templos. Com seus cortes precisos e encaixes ousados, portas e janelas trapezoidais, pedras em formatos poligonais de tamanhos pequenos até imensos blocos com mais de 100 toneladas, que pareciam ter sido moldados e encaixados com algum tipo de magia desconhecida.
Visitando as estruturas muitas vezes éramos tomados por uma sensação mista de alegria e indignação. Uma enorme gratidão em poder estar ali conhecendo estes lugares magníficos, mas por outro lado também uma grande tristeza ao se deparar com as marcas do vandalismo causadas pelos bárbaros invasores espanhóis do passado recente. Ficávamos imaginando o esplendor que deve ter sido estes templos e a vida cotidiana dos antigos incas, antes das destruições causadas pelos conquistadores, como em Qoricancha e Sacsayhuaman, onde intimidados pela magnificência das edificações julgaram indevidamente tais maravilhas arquitetônicas como obras do “demônio”.
Realmente deve ter sido um tremendo choque de realidade para aqueles que ali chegaram nos séculos passados e puderam contemplar estes milagres da engenharia ainda em sua plenitude. E assim, nós seguíamos dia após dia vivendo também esse choque de realidade ao tentar compreender, só por um pouco que seja, a complexa e formidável lucidez que ali floresceu em harmonia com a natureza. Como puderam realizar tamanhas obras? Tão precisas que nem mesmo com a tecnologia de hoje poderiam ser reproduzidas na mesma perfeição e originalidade. Quais métodos os arquitetos e engenheiros do teto das Américas possuíram para talhar e ajustar suas pedras? Rochas cortadas de tal maneira como uma faca aquecida que atravessa um pedaço duro de manteiga sem dificuldades. Paredes tão retas, lisas e polidas como a superfície do vidro. Blocos que foram moldados como se fossem maleáveis. Uma arquitetura antiga, mas ao mesmo tempo inovadora.
Ficávamos refletindo, como podem aquelas simples ferramentas que foram encontradas, das quais estão nos museus e em fotos nos livros, serem os objetos responsáveis por realizar cortes e acabamentos tão perfeitos? Torna-se desafiador acreditar que esses utensílios correspondam totalmente com o que vemos nos refinados templos e monumentos. Parece inconcebível que esses humildes apetrechos poderiam ter sido capazes de realizar estas tremendas obras, por mais habilidosos que fossem os escultores. Durante todo esse deslumbre e inquietação, realmente não é absurdo desconfiar de uma tecnologia perdida do passado, que tantos comentam e pesquisam, por mais esquisito que isso possa parecer para a ciência e para a história convencional já estabelecida. Apesar das muitas incógnitas, para nós também parece que os antigos construtores realmente possuíam métodos de construção muito avançados e que ainda hoje não conhecemos.
Analisando também as diferentes formas e superfícies das rochas, inevitavelmente lembrávamos da lenda de que os antigos construtores utilizavam algum tipo de substância, de origem vegetal, para amolecer as pedras e assim cortá-las e ajustá-las com facilidade. De fato, ao vermos todas as marcas expostas nas rochas, não é difícil imaginar algum método desconhecido que modificava a rocha para algum tipo de estado “maleável”. Mas, seria mesmo proveniente de uma planta misteriosa? Difícil crer, levando em conta o gigantesco número de estruturas. Não seria necessária uma quantidade extraordinariamente grande desse material para realizar todas essas construções? E como, dentre todos os numerosos jardins e terraços agrícolas, nunca foi encontrado nenhum vestígio ou evidência dessa tal planta? A folha de coca, por exemplo, que possui diversas evidências arqueológicas, sendo amplamente utilizada nos Andes por séculos, sobrevive ainda até os dias de hoje. Poderiam os incas, que viveram em tão grande harmonia com a natureza, terem causado a extinção desse tal vegetal sagrado, que amoleciam as pedras? Ou foi uma escolha consciente dos construtores não deixar nenhum registro desse suposto elemento?
A pouco tempo atrás, pesquisadores da Rússia e do Geopolymer Institute, da França, bem como o pesquisador peruano Giacomo Longato, tem divulgado que as pedras de Sacsayhuaman e de outros monumentos megalíticos, como os de Tiahuanaco na Bolíva, não estão em seu estado natural, sendo na verdade um tipo de super concreto. De certa forma essa nova pesquisa parece corroborar até certo ponto com a lenda de amolecer as pedras, indicando que essa história pode não ser tão fictícia quanto imaginava-se. Com isso, fica cada vez mais evidente que esses construtores do passado possuíam alguma técnica ainda desconhecida para realizar essas fantásticas obras. Uma técnica que pode fazer mudar toda a história que conhecemos.
Outro ponto inquietante na arquitetura dos sítios arqueológicos de Cusco e do Vale Sagrado, é a nítida diferença na qualidade da alvenaria das edificações. Víamos aquelas mais finamente trabalhadas, expressando um grau elevadíssimo de técnica e outras mais rudes com acabamentos bem inferiores. Esse contraste nos faz questionar se tudo realmente corresponde a um mesmo momento da história. Alguns pesquisadores tem defendido, a polêmica teoria que esses templos mais requintados e megalíticos já estavam lá bem antes dos incas, construídos por uma outra civilização que é desconhecida. Assim, em algum momento posteriormente, os incas poderiam ter aproveitado e reconstruído esses lugares, reconhecendo a presença sagrada das Huacas, desenvolvendo sua sociedade e o grande Império do Tawantinsuyu.
Por mais maluco que pareça, a impressão que fica para nós, não é de uma técnica de construção que foi elaborada aos poucos, como uma forma rudimentar que foi se aprimorando até chegar ao nível mais apurado. Pelo contrário, parece que foi algo que simplesmente surgiu, aplicada de forma magistral. Como se primeiro houvesse existido uma técnica sofisticada e avançada e que com o passar do tempo se perdeu ou degenerou, resultando em estruturas com uma qualidade inferior, com formas mais rudes e menos acabadas. É possível observar esse contraste nas construções em diversos sítios arqueológicos de Cusco e por todo o Vale Sagrado, bem como em outros lugares do Peru e da Bolívia.
Em um local chamado Ñaupa Iglesia, situado em uma gruta próximo a estrada que leva para Ollantaytambo, existem duas magníficas estruturas gravadas nas rochas. Logo na entrada o observador se depara com um majestoso monumento com entalhes em forma de “chakana” ou cruz andina, mas que infelizmente está parcialmente destruído. Na parede norte encontra-se a mais misteriosa e bela das “portas falsas” esculpidas nos Andes. Com aparência enigmática intriga todos os visitantes que a contemplam. Na face sul da gruta encontra-se uma parede com um estilo bem menos sofisticado. Ao lado de fora também existe uma pequena habitação com o mesmo estilo de construção, feita de pedras rudes e argila.
Como já mencionado por outros pesquisadores, e também por um nativo que conhecemos nesse lugar, as edificações de estilo inferior teriam sido construídas bem posteriormente aos monumentos maravilhosamente esculpidos nas rochas. Igualmente em Machu Picchu, vemos em diversos lugares da cidade os blocos finamente trabalhados e por cima e em volta pedras bem menos acabadas. Por que os requintados arquitetos deixariam de aplicar sua bela arte para terminar a estrutura com acabamentos tão inferiores e menos resistentes? É nítida demais a percepção de que esses lugares foram reconstruídos.
Comenta-se, de forma um tanto simplista, que os locais que possuem essa construção avançada, megalítica e super encaixada eram os lugares mais sagrados, por isso eram mais belos e bem trabalhados. Porém, alguns desses lugares com o passar dos séculos, como em Machu Picchu, sofreram com os severos terremotos que teriam desprendido e destruído algumas partes das edificações. No entanto, por que a reconstrução desses lugares tão sagrados não foi realizada da mesma forma? Isso nos fez imediatamente pensar em pelo menos duas hipóteses; quem sabia e podia realizar tal maestria arquitetônica já não se encontrava no local, ou realmente os Incas não foram os construtores originais dos templos e reconstruíram posteriormente da forma que lhes era possível.
No sitio arqueológico principal de Ollantaytambo conversamos com um guarda-parque sobre essas questões e ele também concorda que as edificações megalíticas e mais esmeradas são anteriores aos Incas. No entanto, a maioria das pessoas e guias locais, demostram jamais querer considerar essa hipótese e exaltam os incas como sendo os construtores de tudo. Parece que há uma amnésia na história da arquitetura megalítica dos andes (assim como em muitos lugares do mundo) e fazemos parte do pensamento que tende a ver as obras megalíticas do Peru como não sendo totalmente construídas pelos Incas. Essa é a interpretação que muitos pesquisadores têm comentado, que esses lugares fantasticamente esculpidos e edificados já estavam lá antes dos Incas e que eles teriam reaproveitado esses monumentos, adicionando suas construções e se tornando os herdeiros desses templos. Contudo, mesmo que os Incas não tenham sido os construtores originais desses templos requintados, ficávamos imaginando o que mais poderia ter sido preservado, do conhecimento dos antigos, se não tivesse ocorrido o triste massacre dos Incas pela invasão espanhola. Esse era um sentimento difícil de ignorar por onde quer que caminhássemos.
Todos os dias fazíamos esgotar a nossa capacidade de reflexão ao tentar imaginar todas as possibilidades. Em muitos momentos então só nos restava contemplar, meditar e apreciar toda a beleza em nossa volta. De fato são lugares que nos fazem sonhar acordado! Como diz no livro da Simone Waisbard: “Trata-se de lugares banhados pelo mistério que retira a alma de sua letargia.”
Experiência espantosa ver de perto a quantidade desses milagres da engenharia e encaixes mirabolantes que foram realizados no passado por toda a região arqueológica do departamento de Cusco. E assim, seguiram nossas visitas aos sítios arqueológicos, percorrendo os caminhos dos antigos entre arquiteturas que desafiam o nosso intelecto. Nesses 25 dias não houve “day off” (dia de folga), descansávamos nos próprios lugares ao encontro de sombras e abrigos, junto as pedras silenciosas para vivenciar o máximo que podíamos e quem sabe em outro sentindo, ouvi-las falando conosco.
As evidências que deslumbrávamos todos os dias fazia-nos querer ficar somente ali, analisando, refletindo e imaginando, num eterno desafio ao nosso desejo de saber mais. Não queríamos mais nada, exceto uma coisa, se fosse possível retornar ao passado para ver com os nossos próprios olhos estes lugares sendo construídos e celebrados pela primeira vez, testemunhando a intenção daqueles ancestrais que ali estiveram inicialmente.
Enfim, na metade de janeiro de 2023, quando já estávamos querendo revisitar todos os lugares que tínhamos conhecido e outros que ainda nos faltava conhecer, chegou a hora de voltar para casa. Maravilhados e energizados nos despedimos das terras altas do Tawantinsuyu com aquela sensação de que em breve voltaríamos. E no avião, à medida que a aeronave acelerava e subia ao céu, olhávamos pela janela e víamos aquela paisagem se distanciando, porém, os seus mistérios continuam cada vez maiores. Dias depois de retornar da viagem e até agora, temos a sensação de que ainda estamos lá com o nosso corpo de consciência, explorando os enigmas de Cusco e do Vale Sagrado, onde tudo impressiona e tudo surpreende.
Lista de todo os locais visitados:
- Pedras dos 12, 13 e 14 ângulos (Palacio Arzobispal)
- La calle Siete Culebras
- Plaza de Armas
- Sacsayhuaman e Chinkana grande
- Tambomachay
- Puka Pukara
- Qenco
- Qenco chico
- Qochapata
- Zona X
- Qorikancha
- Chukimarka
- Amaru Marka Wasi
- Kusilluchayoc
- Rumiqolqa
- Pikillaqta
- Inkilltambo
- Kallachaka
- Hatun Plaza
- Rumiwasi
- Quespehuara
- Huaca Sapantiana
- Huaca Mesa Redonda
- San Blas Waterfall and caves
- Cheqtaqaqa
- Ñusta Tianan
- Tete Qaqa
- Palacio del Inca Manco Capac
- Mirador de Plaza Sán Cristobal
- Ollantaytambo
- Ñaupa Iglesia
- Machu Picchu
Lugares que planejamos mas que não foi possível visitar, por conta das manifestações políticas e bloqueio de estradas durante nossa estadia:
- Inti Punku de Ollantaytambo
- Pisac
- Chinchero
- Quillarumiyoc
- Tarawasi
- Saywite
- Qollmay
- Moray
Indicação de alguns livros e conteúdos para consulta e pesquisa:
Manuel de la Torre U. B. Cosmovisíon Andina: Aspectos Astronómicos. 2018
Juan Carlos Machicado Figueroa. Quando As Pedras Falam: Arquitetura Inka e Espiritualidade nos Andes. 2018
Erwin Salazar Garcés. Astronomia Inka – Arqueoastronomia & Etnoastronomia. 2014
Inca Garcilaso de la Vega. LOS INCAS: Comentarios Reales de los Incas. 2019
Simone Waisbard. TIAHUANACO: 10.000 anos de enigmas Incas. 1971
Simone Waisbard. MACHU PICCHU: Cidade Perdida dos Incas. 1974
Hiram Bingham. Lost City of the Incas. 1948
Giacomo Longato – YouTube. Disponível em: < https://www.youtube.com/@GL1321 >.
Brien Foerster – YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/@brienfoerster>.
MATERGIA REALISMO FANTÁSTICO con Rafa Mercado – YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/@rafamercado>.
The Living Stones of Sacsayhuaman. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=M9J_ivMwTxc&t=559s>.
BUILDERS OF THE ANCIENT MYSTERIES – Full movie in English – (Documentary, Civilization, Archeology). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ktxV4w2yzeg&t=34s>. Acesso em: 7 out. 2023.
BACK 2 BAM sequel to B A M by team of REVELATION OF THE PYRAMIDS FULL MOVIE. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JlRzMH0VoMg&t=4s>.