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Introdução à Arqueoastronomia – Alexandre Amorim
5 jan
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Introdução à Arqueoastronomia – Alexandre Amorim

Introdução à Arqueoastronomia

Alexandre Amorim

O objetivo deste artigo é destacar a pesquisa arqueoastronômica na Ilha de Santa Catarina. O assunto não tem merecido a atenção necessária pois o meio acadêmico não percebe o potencial envolvido neste tipo de pesquisa que não se limita a uma simples relação entre as antigas tradições e seus prováveis conhecimentos astronômicos.

É quase unanimidade que toda cultura dita primitiva de alguma forma observou o céu ou fez uso dos movimentos aparentes do Sol, da Lua e das estrelas. Basicamente a observação do movimento anual do Sol servia para um calendário local, relacionando as estações do ano com alterações climáticas ou com o comportamento da natureza ao redor, permitindo as atividades econômicas ou de subsistência de uma comunidade.
Por volta de 1918 Vieira da Rosa fez referências a algumas formações rochosas peculiares no litoral catarinense. Porém 70 anos depois que o então pescador Adnir Ramos percebeu que algumas das formações rochosas e grandes pedras localizadas no Morro da Galheta coincidiam com o nascer do Sol e da Lua em épocas específicas do ano. Um dos fenômenos foi a observação do nascer do Sol no solstício de inverno na Pedra do Frade, costão da Barra da Lagoa.Com o tempo Adnir Ramos mapeou outras pedras possivelmente associadas a fenômenos sazonais.

O autor participou desta pesquisa após o inverno de 2007 e trata de 3 (três) sítios com potencial arqueoastronômico, a saber:

a) Pedra do Frade, no costão da Barra da Lagoa

b) Ponta do Gravatá

c) Morro da Galheta

Examinaremos cada sítio e suas peculiaridades.

Pedra do Frade

Este sítio está localizado no costão da Barra da Lagoa. Após atravessar a ponte pênsil e a prainha da Barra da Lagoa, seguindo pela Trilha das Piscinas Naturais. Cerca de 10 minutos de caminhada pelo costão nota-se duas colunas de pedras que se destacam em relação ao ambiente, conforme Figura 1. Percebe-se que as duas pedras permitem a observação de um intervalo do horizonte. O observador não tem opção de se movimentar ao norte pois há o mar, tampouco ao sul pois tem o início do Morro do Farol da Barra. Estando de frente à Pedra do Frade e notando o intervalo do horizonte visível entre as duas rochas, o observador testemunha o nascer do Sol na época do solstício de verão do hemisfério sul (21-22 de dezembro, Figura 2). O ponto de observação está situado a 50 metros da Pedra do Frade e foi encontrada nesta posição uma pedra com linhas onduladas, catalogada por Keler Lucas como SIV-6. Este mesmo sítio está relacionado com o solstício de inverno, bastando o observador se posicionar a sudoeste da Pedra do Frade e notar o nascer do Sol entre as duas rochas.
Continuando o caminho pelo costão encontram-se outros quatro petroglifos em forma de rede, linhas cruzadas e onduladas. Isto é significativo pois indica que houve presença humana no local.


Figura 1: a Pedra do Frade. Foto de A. Amorim


Figura 2: Sol nascendo no Solstício de Verão, 22 de dezembro de 2007. Foto de A. Amorim

Ponta do Gravatá

Este sítio possui várias formações rochosas pitorescas porém uma chama a atenção pelo fato de uma pedra similar a um cubo estar repousada sobre uma plataforma. O ponto de observação é singular pois situa-se no limite de um pequeno abismo de 5 metros (Figura 3). Exatamente nesta posição limite o observador nota a linha do horizonte tocando o ponto entre a pedra e a plataforma. E neste cruzamento de linhas é a posição do nascer do Sol no solstício de verão (Figura 4). Até o momento não encontrou-se petroglifos ou outro vestígio de presença humana antiga a não ser na pequena praia do Gravatá onde existem diversos amoladores.


Figura 3: Posição para observação do nascer do Sol na Ponta do Gravatá por ocasião do Solstício de Verão. Note a sombra da pedra sobre o anteparo em que o observador está situado. Foto de Adnir Ramos.


Figura 4: Sol nascendo no Solstício de Verão, 20 de dezembro de 2008. Foto de A. Amorim

Morro da Galheta

A peculiaridade deste sítio reside no fato de estar relacionado principalmente com os equinócios embora haja alguns alinhamentos solsticiais. Em relação aos equinócios encontramos três pedras com tamanho em torno de 3 metros nomeadas nas Figuras 5 como A, B e C. A pedra A repousa sobre a pedra B. Já a pedra C encontra-se cerca de 3 metros à leste das primeiras. O observador deve se situar a oeste destas pedras, próximo a uma parede rochosa, de modo que a conjunção das três pedras formem uma minúscula janela onde a linha do horizonte atravessa o seu interior (Figura 5). Se o observador deslocar-se a sua direita, a janela fecha-se, e se o observador deslocar-se a sua esquerda, a janela se desfaz. Exatamente na direção da janela o Sol nasce por ocasião dos equinócios (20-21 de março ou 21-22 de setembro, Figura 6). É sabido que o movimento aparente do Sol na linha do horizonte durante a época dos equinócios é maior do que durante os solstícios em virtude da inclinação relativa da eclíptica com o equador celeste. O autor ainda não observou o comportamento do feixe de luz solar sobre a parede rochosa. O único vestígio arqueológico nas proximidades é uma inscrição rupestre descoberta por Adnir Ramos localizada numa das trilhas de acesso (também conhecida por Caminho dos Reis). Durante a pesquisa por parte do autor notou-se a ação de vandalismo no sítio, principalmente derrubada de algumas pedras e restos de fogueira.


Figura 5: Alinhamento de pedras existentes no Morro da Galheta. Foto de A Amorim.


Figura 6: Sol nascendo no Equinócio de Outono, 21 de março de 2008. Foto de A. Amorim.

Uma das evidências de que os fenômenos devem ser investigados reside na arbitrariedade dos solstícios e equinócios. Embora sejam fenômenos naturais, a determinação das épocas de solstícios e equinócios e sua relação com a duração dos dias e das noites é arbitrária pois é fruto da interpretação humana. Diversas culturas e tradições encontraram seus meios de determinar tais épocas, formando assim seus calendários. Estas variações sazonais refletem no ambiente e isso não passa despercebido por nenhuma cultura. Desde a migração de aves, até a aparição de grandes cardumes, passando pelo amadurecimento de diversos frutos, há vários ciclos ecológicos relacionados com as estações do ano. Portanto se em outros locais do mundo houve grupos que percebiam tais mudanças ambientais e sua relação com os fenômenos celestes, não seria nenhuma anormalidade inferir que as antigas tradições na Ilha de Santa Catarina fizessem o mesmo. Porém até o momento não há resposta afirmativa ou negativa para a seguinte questão:

Os alinhamentos encontrados nos três sítios acima eram usados por anteriores habitantes da Ilha?

Abrimos um parênteses para comentar sobre as duas antigas tradições que deixaram vestígios arqueológicos na Ilha de Santa Catarina:

Os Sambaqueiros: são também conhecidos como pescadores-caçadores-coletores. Dominavam a técnica da pedra polida a julgar pelos pertences encontrados em seus sambaquis. A sua ocupação remota a não mais que 5 mil anos antes do presente (5000 AP). Não há evidências de que praticavam a agricultura, dedicando-se à coleta de frutos, caça e pesca. O provável conhecimento astronômico que os sambaquieiros poderiam ter estaria relacionado em saber a época de colher apropriadamente os frutos maduros ou simplesmente se preparar para pescar certos peixes na época certa. Com a diminuição da duração do dia e proximidade dos dias mais frios o primitivo pescador saberia que se aproxima da época de pescar a tainha, por exemplo. Hoje, com a nossa cultura fortemente influenciada pelo calendário gregoriano, o pescador responderia prontamente que tal época situa-se entre os meses de maio e julho. Mas o pescador primitivo tinha outro tipo de contagem de tempo, um calendário cíclico que alternava entre dias frios e dias quentes.

Os Itararés: embora também fossem pescadores-caçadores-coletores como os sambaquieiros, os itarerés dominavam a cerâmica para uso utilitário. Sua ocupação não ultrapassa 1140 AP. Estudos publicados em 2002 no livro “The Backbone of History” mostram que os sambaquieiros e os itararés tinham excelente qualidade de vida, a julgar pelas ossadas disponíveis.

Por que tais tradições não usariam ferramentas para o ciclo anual? A resposta a esta pergunta necessita de pesquisa.

Mas e se a pesquisa indicar um resultado negativo? Significa que os sítios encontrados diminuiriam sua importância? Não, necessariamente. Os três sítios são ótimas ferramentas para o ensino da astronomia observacional. Sua aplicação didática para o entendimento da “mecânica” dos solstícios e equinócios é evidente mesmo nos dias de hoje.
O trânsito do disco solar durante o solstício de verão, conforme observado na Pedra do Frade, dura aproximadamente 16 dias centrados na data do solstício. Já o trânsito do disco solar na janela formada pelo alinhamento de pedras no Morro da Galheta não ultrapassa 4 dias em virtude do rápido movimento aparente horizontal do Sol na época dos equinócios. Os sítios arqueoastronômicos também são úteis para:

a) conhecer a diferença de 47 graus de declinação entre os pontos solsticiais de inverno e verão;

b) determinar com relativa precisão os pontos cardeais, em especial o Leste;

c) conhecer propriamente os sítios, as trilhas e inscrições rupestres para preservação.

CONCLUSÃO:

É difícil estabelecer uma conclusão para o assunto abordado uma vez que o tema necessita de pesquisa apropriada para saber se os sítios envolvidos foram 
de fato utilizados por antigos habitantes da Ilha de Santa Catarina. Se confirmada tal hipótese abriria uma nova maneira de entender tais tradições por incorporar conhecimentos básicos de astronomia suficientes para aplicações locais e domésticas. Por outro lado, mesmo que a pesquisa aponte para uma não correlação entre tais tradições e conhecimentos astronômicos, os sítios existentes são ótimos laboratórios para se ensinar astronomia observacional e o funcionamento dos fenômenos dos solstícios e equinócios, aliado ao fato de estarem próximos de sítios notadamente arqueológicos.

BIBLIOGRAFIA:

RAMOS, Adnir. DVD Arqueoastronomia em Florianópolis, 2007.
AGUIAR, Rodrigo L. S. de. Manual de Arqueologia Rupestre, 2001.
Cadernos da Ilha, Ano 1, número 1, 2002.
Aventura Arqueológica na Ilha de Santa Catarina, 2004.
LUCAS, Keler. A Arte Rupestre do Município de Florianópolis, 1994
Etnoastronomia. Edição Especial de Scientifican American Brasil